É preciso desmontar a extrema-direita, desfacistizando o Brasil.
10 de jan. de 2023
Essa distinção pode ser - e é - muito útil no debate tático da política, mas pode levar a uma confusão no médio prazo. Essa distinção tem sido mais usual desde o dia dos ataques, 12 de dezembro, quando vários arrivistas tentaram invadir a sede da Polícia Federal em Brasília, queimaram ônibus e tentaram investir contra o hotel que recebia o presidente Lula, recém diplomado. Na cobertura jornalística e nas intervenções públicas de lideranças políticas sobre a tentativa golpista de 8 de janeiro este argumento foi intensificado.
Politicamente, ou no campo da tática política em outra linguagem, é uma distinção com óbvio sentido. Duplo sentido, aliás. Do ponto de vista dos interesses do campo político democrático, trata-se de uma retórica de ordem logística. Tem por objetivo separar setores periféricos do núcleo mais sólido e aderente da base social de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Uma retórica para negar e romper o fluxo de adesão à vanguarda golpista. Uma tática clássica e eficaz de isolar para asfixiar politicamente o adversário.
Do ponto de vista de certos setores do campo de apoio do ex-presidente, essa retórica igualmente é muito útil. Trata-se de abrir uma rota de fuga em direção ao centro político com o sentido de afastar-se das atitudes criminosas e evitar o isolamento e o rompimento do diálogo com sujeitos políticos importantes como o governo federal, a Suprema Corte e a maior parte dos veículos de comunicação. Isso é particularmente importante para certos governadores, deputados e para frações empresariais menos interessadas em ideologia, mas muito dependentes da política.
Essa distinção, porém, contém uma armadilha: concluir que os setores mais radicalizados da direita, por estarem isolados, seriam uma minoria sem capacidade de fazer oposição ao governo Lula. Uma espécie de interpretação “censitária” da política. Uma extrapolação do método parlamentar para a sociedade, no qual seria preciso obter-se maioria para ser relevante na política. O problema que a luta política extra parlamentar não é determinada por verificações quantitativas, mas pela capacidade de ação política. Uma minoria pode atingir seus objetivos independente de seu tamanho, baseado no acerto de suas táticas e estratégia.
O reconhecimento dessa armadilha impõe chamar esse campo pelo nome correto: extrema direita, a qual se tornou um sujeito relevante e ativo, com força política e capacidade de obtenção de meios como recursos financeiros. O bolsonarismo é uma circunstância política que gerou a “liga” para aglutinar vários setores de direita radical, fragmentados e estilhaçados feito os vidros dos poderes até a emergência deste episódio eleitoral. Favorecido por essa ascensão eleitoral de 2018, o que vemos a partir da derrota eleitoral de Bolsonaro em 2022 é a extrema direita se tornar efetiva e orgânica e partir para a luta política no campo extra institucional. A plataforma que unifica esses vários agrupamentos não é apenas a reposição de Bolsonaro no governo. A plataforma política girou para a desestabilização do governo Lula, a implantação de uma ditadura e a cassação dos direitos políticos dos partidos e lideranças de esquerda.
Essa tática não depende de maioria na opinião pública, mas da deterioração do apoio ao governo do presidente Lula e de sua incapacitação. A extrema direita não é um bando de lunáticos – ainda que esse aspecto seja gritante – invadindo os poderes. É uma frente política que domina aparatos burocráticos, policiais e militares do Estado brasileiro. Mobiliza financiadores entre o empresariado, tem um mito político, domínio de meios para mobilização da base e um objetivo. Um conjunto de atributos que não pode ser enfrentado com menosprezo e desídia política.
Não basta isolar a extrema direita, ainda que seja a primeira e urgente tática política a ser implementada. O que o presidente Lula já o faz magistralmente. Também é preciso desmontá-la desfacistizando o Brasil, a começar pelas agências estatais já hegemonizadas por ela. A palavra de ordem “sem anistia” levantada pela resistência democrática e a defesa do Estado democrático de direito evocado pelo ministro Alexandre de Moraes dão o tom do adequado reconhecimento do caráter e disposição do inimigo da democracia no Brasil.