É chave estabelecer uma estratégia econômica que retome o crescimento e garanta os direitos fundamentais da sociedade.
9 de fev. de 2023
Em 1962, em uma correspondência remetida a António Salazar, então presidente do Conselho de Ministros da ditadura portuguesa, por oportunidade de presentear seu livro The Constitution of Liberty, Friedrich Hayek sugeria ao professor ditador discernimento “na sua tarefa de desenhar uma Constituição que previna os abusos da democracia”. Lembrei dessa passagem, relatada num interessantíssimo artigo do professor de economia Francisco Louçã, quando das críticas do presidente Lula da Silva à decisão do Banco Central em manter nas alturas a taxa de juros no país.
A decisão de manter a Selic em 13,75% foi tomada pelo colegiado do Banco Central do Brasil em 1º de fevereiro. Segundo alguns veículos de imprensa, é o maior nível de juros desde janeiro de 2017.
A alta taxa de juros executada pelo Bacen não é pura técnica ou medida de administração e direção da economia, em função da elevada inflação da economia brasileira. Assim como a autonomia da autoridade bancária, a flutuação do mercado de investimentos ou a gestão com austeridade dizem muito mais respeito à hegemonia do pensamento neoliberal e aos interesses do setor financeiro do que à boa e adequada competência para a gestão da economia.
O conceito contido na advertência de Hayek, de que o controle do Estado é essencial para o desenvolvimento de uma economia liberal, se apresenta aqui sob a ideia da autonomia da autoridade monetária. Para a manutenção da saúde dos lucros financeiros é essencial que a gestão dos juros seja afastada da influência do debate político. Como a política amplia a gama de variáveis que atravessam a economia, aumenta os riscos à ordem financeira e aos seus dominadores.
Em outras palavras, a defesa da autonomia da gestão monetária é um mecanismo essencial para proteger o capital financeiro “dos abusos da democracia”, nos termos de Hayek. Os abusos, no caso, seriam as demandas pela renda pública em favor de investimentos – gastos na gramática neoliberal – que a democracia permite emergirem por conta do resultado político que se apresenta. A questão é que a luta política, em um regime democrático, torna de difícil controle a política econômica e financeira do Estado.
Esta dimensão expõe uma farsa sustentada na ideologia e não nas evidências: o neoliberalismo seria antiestatista! Nada mais distante da realidade! O neoliberalismo é antidemocrático exatamente porque precisa ser estatizante para garantir que a renda pública - o maior manancial de capital das sociedades modernas - seja apropriada pelo grande capital financeiro e não “pulverizada” na sociedade por políticas distributivistas ou desenvolvimentistas.
Essa é a ponte entre o presidente do Bacen e sua política de acossamento do governo Lula, e o bolsonarismo, expressão momentaneamente maior da extrema-direita no país. A dureza e a avidez das intenções do mercado financeiro - como vemos no caso do golpe das Lojas Americanas - impõem medidas de contenção e diminuição (se não de eliminação) da influência de outros setores sociais sobre o Estado. A democracia não é inimiga da eficiência da economia, mas da eficiência da acumulação privada da renda pública.
A atual direção do Bacen é um entulho financista e da direita radical em meio a um governo que terá a obrigação de modificar o rumo da economia brasileira, sob pena da maior crise social da história. A autonomia do Banco Central precisa ser revista para que se possa estabelecer o controle democrático, em contrapartida ao atual controle privado, da política monetária.
É chave estabelecer uma estratégia econômica que retome o crescimento e garanta os direitos fundamentais da sociedade. A defesa da autonomia da autoridade monetária, nos termos de como está sendo feita, é uma espécie de 8 de janeiro bem vestido e de luvas.